Uma viagem que não se esquece (parte 1)
Há coisas que merecem tempo para serem escritas. Precisam de amadurecer para que se faça justiça aos momentos vividos. Por isso, demorámos tempo a escrever sobre a primeira surftrip que o Correr na Cidade fez pela Costa Vicentina.
Tudo começou em conversas via smartphone. No meio de alguns disparates, de algumas partilhas mais inusitadas, como é costume em qualquer grupo que junte mais do que três homens (acontece o mesmo com as mulheres, estou certo), começámos a falar que se podia fazer uma viagem que aliasse um desporto ou ação que normalmente não fazemos em conjunto com a corrida.
A ideia fluiu. Mas pela falta de datas disponíveis à maioria a viagem foi sendo adiada. Sem sabermos muito bem, e embora com a ideia sempre presente, passou um ano e nada de viagem.
Já em 2019, com o regresso do céu azul – por favor, não confundir com este verão que estamos a viver – , recomeçamos a falar da surftrip. O objetivo era simples e claro, pegar em pranchas e fatos de surf, dar um beijo às companheiras e filhos e partirmos por uns dias para sul, só homens. Sem grandes compromissos ou planeamento. E, finalmente, assim aconteceu.
Para quem tem uma média de três ideias novas por semana para o CNC e das quais só 1 por cento se desenvolvem, foi um grande passo para todos - mesmo para aqueles que não foram. Podiam ter sido mais dias, podia ter sido organizado de outra forma. Mas se fosse perfeito, estragava.
Nas linhas seguintes, contamos como foi. O lema da viagem ficou “Com Brutes Nã Lutes”, uma frase que vimos numa parede de um café no Algarve. Ora atentem para o que se passou:
DIA 1
Tudo começou numa sexta-feira. A primeira coisa a fazer foi levantar a carrinha Proace que a Toyota nos cedeu. Foi a única parceria que fizemos para esta jornada. E em boa hora. Não vou estar aqui a elevar as características da carrinha e de como nos fez feliz, blá, blá, blá. Conto só dois apontamentos. Primeiro: na Toyota couberam 2 longboards, 2 pranchas de surf, 4 pessoas (e ainda dava para mais uma, pelo menos) malas de viagem, malas com coisas de surf e sacos com equipamento de corrida. Segundo: fomos de Lisboa a Sagres, com paragens e mais umas voltas. Partimos com depósito cheio e regressamos sem meter uma gota de diesel extra. Foi muito bom!
Voltando ao tour pré-surf trip. Já com a carrinha foi a vez de pegar o Tiago Portugal à porta do emprego, e depois ir buscar mais material de surf nas respetivas casas. De seguida, recolhemos o Ulisses e João Gonçalves à porta dos respetivos empregos. Não me esqueço de ver o João a entrar na carrinha e dizer: “isto vai mesmo acontecer!!!”. E aconteceu mesmo, um ano depois das primeiras conversa, finalmente, fizemo-nos à estrada.
O objetivo seguinte era dar uma surfada em São Torpes, ali à beira das torres da Galp, em Sines. Porquê? Porque foi lá que há mais de vinte e tal anos me pus de pé em cima de uma prancha de surf pela primeira vez, e porque serviria para descansar um pouco da viagem. E porque, tem das estradas mais idílicas do sul português.
Uma vez por lá percebemos que não havia ondas que valessem a pena montar o “circo” de vestir fatos, colocar wax nas pranchas, etc. E é por aqui que se vê o quão surfistas somos: sabiamos que estaria um mar pequeno. Mas não tanto. E isso nem sequer importava.
Fomos beber umas cervejas, destressar, mandar uns SMS para casa e tratar de coisas pendentes do trabalho – ah, a vida moderna que nem à beira mar longe da cidade nos deixa desconectar!!!
Decidimos logo ali alterar os planos: ao invés de irmos diretos para a casa alugada na Bordeira, fomos jantar ainda no caminho. Isto é a verdadeira beleza de uma trip, seja de surf, corrida ou com outro intuito qualquer. Mudar de planos à nossa vontade faz bem à saúde. Está provado.
Decidimos ir jantar ao já famoso restaurante de marisco da Azenha do Mar. Geralmente espera-se muito. Não há reservas. E nós esperamos. Não muito mas um pouco, naquele limite da fome que foi sendo enganada com cerveja e saladinhas de polvo.
Depois do jantar, fizemos resto do caminho. Descarregar as malas e pranchas, quartos divididos e combinar uma corrida pela manhã. Eram 23h30 e o cansaço fez o resto. Cama que o dia seguinte era para disfrutar ao máximo.
DIA 2
Acordámos às 07h30m. De loucos, não? Quando uns dias mais tarde o disse a um amigo – que não corre – fez-me imediatamente a pergunta: “Estás dois dias fora de casa sem mulher e filhos e acordas às 7 da manhã para ir correr? O que se passa convosco?”
Se calhar ele tem razão. Mas isto é uma coisa forte, inexplicável, mesmo para quem já não corre, como eu. E lá fomos.
Uma corrida com muitas moscas a acompanhar. Umas subidas e descidas, terra batida. Ritmo baixo, mas deu para suar bastante, pelo calor que já se fazia sentir. Ouvimos as vacas a pastar, os cães a ladrar, e fizemos uns 6 a 7 kms mais divertidos que sofridos. Não dava para disfarçar, a cabeça só pensava em ir para a praia, vestir os fatos de surf e tentar surfar as poucas ondas que existiam.
Escolhemos aquela que considero a praia mais bonita de Portugal: Arrifana. Mas antes espreitamos o mar da Carrapateira. Não nos pareceu grande coisa, e daí a escolha recair para a Arrifana. Por lá descemos a arriba com as pranchas às costas e escolhemos o local da praia que nos pareceu mais indicado para nos fazermos às ondas - que não ultrapassavam o meio metro e tinha pouca força.
Metemo-nos no meio das muitas escolas de surf. E o nosso grupo dividiu-se em dois. Um só com o Ulisses que foi disfrutar para o meio do crowd a sua prancha clássica. Passados segundos já o viamos em pé a surfar com a cara cheia de sorrisos. E o outro grupo: eu, Tiago e João.
Logo à partida percebi que não estava a fazer nada com a minha prancha. Já foi tempo em que conseguia por-me de pé nela. Hoje em dia com o peso que tenho, a falta de forma, e a falta de pratica de surf, não faço nada com uma pracha pequena. Em menos 20 minutos já estava no saco.
Ficamos com as três maiores. Mas ao fim de um par de horas percebemos que ali só funcionavam as pranchas grandes, pela pouca força e tamanho das ondas. Revezamo-nos. Ao fim de mais uns minutos já todos estavam a colocar-se de pé em cima das pranchas, intercaladas com umas quedas que nos parecem sempre épicas.
Como nada foi planeado, perto das 14/15 estavamos cansados e a morrer de fome. Só quem nunca se fez às ondas não sabe do que falamos. Despimos os os fatos e fomos para uma pizza em Vale da Telha. Daquelas com italianos à frente o negócio. Refeição demorada, regada com boa cerveja e boa conversa. Duas horas depois já estavamos na praia de Carrapateira. Ali as ondas estavam mesmo pequenas, só o o Ulisses vestiu o fato. O estava a rebentar tão próximo da areia que nenhum dos menos experientes decidiu arriscar. Fizemos praia, falamos, andamos de um lado para o outro, adormecemos na areia. Fantástico para corregar baterias.
Decidimos ir embora pelas 19h.
(amanhã contamos o resto...)