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Correr na Cidade

O UTMB à base de plantas

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(a chegada do Frederico Cerdeira à meta do UTMB em directo)

Por Ana Sofia Guerra

Se acompanham o mundo das provas de trail portuguesas, certamente já ouviram falar no Frederico Cerdeira. Convidei o Frederico para uma entrevista logo após ter terminado a prova UTMB deste ano e quis conhecer um pouco mais este atleta que se tem destacado no trail running português.

(Ana): Quero dar-te, novamente, os parabéns pela conquista: um 74º lugar da geral, 3º português a terminar a prova mais rápido e com um tempo de 28h12m. Vou começar pelo fim: em que é que estavas a pensar quando passaste a meta?

(Frederico): Antes de mais obrigado pelo convite! Acompanho o CnC desde o vosso início e esse início coincidiu também com a altura em que comecei a levar isto das corridas mais a sério. É, portanto, um prazer acompanhar-vos e conversar com vocês!

No UTMB, quando passei a meta foi um misto de sensações. Sentimento de missão cumprida e de alívio pois estava já com dores fortes no pé direito, turbilhão de alegria e tristeza também. Um pouco triste por saber que algumas pessoas próximas não puderam estar lá para me receber. Mas tirando esse ponto, estava feliz.

 

Atingiste o objetivo que tinhas estipulado para o UTMB?­­

Infelizmente não. Tinha como objectivo ser finisher, sem lesões, com a marca ambiciosa de sub 26h. Sempre acreditei (e acredito) que era possível. No entanto numa prova de 100 milhas em alta montanha, tudo pode acontecer. São muitas variáveis que facilmente condicionam qualquer objectivo que tenhamos.

No entanto, no meu caso, seis semanas antes da prova, num final de treino, tive uma queda aparatosa que me provocou um entorse algo grave no pé direito. Essa lesão condiciou-me o plano de treino específico que tinha e, naturalmente, o tempo de recuperação não foi suficiente para a prova. Com isto, a partir do meio da prova, as descidas eram demasiado agressivas para o pé e tive que abrandar drasticamente o ritmo para gerir a dor. No final, fui finisher sim, sem nenhuma lesão nova, apenas com agravamento da que já tinha e esta situação contribuiu para que terminasse com mais de duas horas do que tinha planeado. No entanto apesar disso fiquei satisfeito com o resultado.

 

Esta prova foi a realização de um sonho ou tens outra prova em mente?

Esta prova foi em parte a realização de um sonho sim. Sempre quis conhecer os Alpes e sentir de perto a magnitude e o poder natural do Monte Branco.

 

O que mais te surpreendeu na prova?

Claramente o Monte Branco e toda a magia natural dos Alpes. Mas isso é algo independente da prova. A prova em si correspondeu ao que esperava, organização profissional com muito foco na segurança dos atletas. Percurso muito desenhado em cima dos trilhos públicos do Tour de Mont Blanc, mas muito diversificado, exigente e, sobretudo, de uma beleza única.

 

Quais foram as grandes dificuldades que tiveste no decorrer da prova?

Tive alguma dificuldade em lidar com as baixas temperaturas em certos pontos. Houve também um momento que inevitavelmente o meu estômago não aceitava comida, apenas água e levou a uma quebra de energia mas consegui superar depois de ter descansado um pouco na base de vida de Courmayeur. A maior dificuldade foi sem dúvida gerir a dor que tive no pé a partir do meio da prova como mencionei acima.

 

Tiveste o acompanhamento de algum treinador, nutricionista ou outro especialista na preparação para o UTMB?

Em termos de treino, tenho acompanhamento profissional desde o início de 2016 a cabo do João Mota. Em conjunto, temos delineado os macro-ciclos em função dos meus objectivos.

Outros especialistas de saúde e preparação física deram o seu importante contributo, tais como o Fábio Dias, o Miguel Reis e Silva, o Bernardo Filipitsch e a Sara Dias da Habilitare agora na minha recuperação pós prova e tratamento da lesão.

 

Sabes que um dos temas que as pessoas têm mais curiosidade sobre ti é o facto de seres vegan. Quais são os grandes desafios que enfrentas numa prova desta duração em relação à alimentação?

É uma boa pergunta e é algo muito difícil de resolver em termos de nutrição e treino profissional. Neste tipo de desafios é mesmo muito complicado estar tantas horas em esforço e conseguir ingerir e digerir as calorias necessárias para a progressão do esforço físico.

Mesmo fazendo tudo “by the book” a certa altura, o nosso estômago simplesmente rejeita alimentos e pede apenas repouso. Estamos dependentes da nossa autossuficiência e daquilo que temos disponível para comer nos PACs (postos de abastecimento e controlo), no meu caso, sendo Vegan, nem sempre tenho alimentos Vegan nesses pontos. Tenho sempre que contar com o que eu consigo levar comigo e nos PACs aproveitar a fruta que houver (melancia, bananas, tomate, etc.) Caso haja arroz ou massas e alguns vegetais tento aproveitar sempre um pouco. Cubos de marmelada por vezes são uma boa opção, mas a fruta é sempre prioritária.

Comigo geralmente levo um isotónico vegan rico em Hidratos de Carbono de rápida absorção. Normalmente uso a solução da Tailwind, que tem funcionado bem comigo e é uma marca que me apoia. Uso também alguns géis o mais natural possível e algumas barritas, cruas e naturais que vou intercalando com o resto. Costumo levar também um saquinho de tâmaras que vou comendo pelo caminho. A meio da prova, no ponto da Base de Vida, costumo beber uma solução proteica, geralmente o “Rebuild” da Tailwind que ajuda a recuperar os danos do esforço muscular, ao mesmo tempo que enche as reservas de energia para o resto do percurso.

 

Tens algum cuidado especial com a tua alimentação e/ou suplementação?

Não diria que tenho especial cuidado, sendo atleta e sendo Vegan, preocupo-me apenas em comer o mais natural possível dando primazia às frutas, aos vegetais e às leguminosas. Gosto muito de comer, como muito e sou guloso (J), por isso, muitas vezes, não me privo de nada desde que seja Vegan.

Em termos de suplementação, o único suplemento que tomo obrigatoriamente é de Vitamina B12, pois é algo mais difícil de obter naturalmente numa alimentação vegan, sobretudo devido ao elevado processamento que os alimentos levam até chegarem ao nosso prato. De resto em certas fases dos meus treinos, tomo um suplemento de Citrato de Magnésio que ajuda na reestruturação muscular. De tempos a tempos tomo um composto de Glucosamina/Condroitina que teoricamente, poderá contribuir para a prevenção do desgaste articular.

 

Em que altura da tua vida é que tomaste a decisão de teres uma alimentação vegan?

Tenho amigos de infância que são Vegetarianos / Vegan há muitos anos, alguns há mais de 20. Sempre foram uma inspiração para mim, sempre fui curioso mas nunca consegui dar o passo. No entanto, em 2015 decidi que estava na hora e comecei a perceber que não preciso mesmo de contribuir para a exploração e sofrimento animal para comer. Aí, fiz uma transição gradual, deixando a carne e o peixe, passando alguns meses numa fase “Ovo-lacto vegetariana” até ser mesmo Vegan. O Veganismo é bem mais do que uma dieta e, para mim, neste momento é a melhor maneira de estar na vida.

 

Que conselhos darias a quem está com dúvidas para alterar a sua alimentação?

Hoje em dia é muito mais fácil ser Vegan, pois cada vez mais consciência sobre os benefícios e como tal, mais informação e alimentos disponíveis. No entanto, acho que as pessoas o devem fazer se acreditarem mesmo na filosofia e não apenas pela dieta.

Qualquer das formas, se deixarem de consumir produtos de origem animal, vai ser sempre positivo para eles, para os animais e para o ambiente. O conselho que posso dar é que façam uma transição gradual e não se foquem nas chamadas alternativas à carne e ao peixe. Pensem que têm uma panóplia de vegetais, leguminosas e frutas disponíveis que podem consumir apenas com alguma criatividade.

 

Quais os teus locais favoritos para treinar para uma prova desta dimensão?

Os meus “Playgrounds” de treino são o parque florestal de Monsanto em Lisboa, a Serra de Sintra que adoro, e a Serra da Estrela mesmo ao lado de casa. Nenhum deles é alta-montanha mas neles possível improvisar e fazer a preparação mínima para este tipo de desafios. Claro que é preciso algum tipo de planeamento e gestão de treino para tal, porque em nenhum destes 3 pontos temos algumas características típicas de alta-montanha (altitude, condições ambientais, terreno, etc.).

 

Sendo natural da Guarda, costumas treinar por lá?

Sempre que estou por lá tento aproveitar o melhor que a Serra da Estrela nos dá. Seja para fazer um treino de corrida ou um treino de bicicleta. No fundo acabo por usufruir um pouco de algumas características de montanha que não tenho aqui em Lisboa. Aproveito para tentar comer o mais orgânico possível lá também, pois lá tenho acesso a mais produtores locais.

 

Quais são os teus próximos desafios?

Neste momento, o foco é tentar recuperar da lesão de forma a conseguir treinar para a prova Campeonato Nacional de Ultra Trail que vai acontecer em Novembro em Ferreira do Zêzere. No entanto, não é a prioridade máxima. Ainda não defini os objectivos para a próxima época mas na corrida é possível que incluam o meu foco em provas de SkyRunning. Tentarei incluir uma prova internacional de 100 milhas, que ainda não decidi qual.

Estou a dar os primeiros passos no Triatlo e é possível que inclua algumas provas de Triatlo em preparação do Half-IronMan no final do ano. Ainda está tudo em aberto.

 

 Que conselhos darias a quem quer participar no UTMB do próximo ano?

O UTMB é um desafio gigante que requer uma boa preparação, independentemente dos objectivos de cada pessoa. É preciso sempre uma boa preparação de no mínimo de 6 meses. Isto para conseguirem ser finishers sem mazelas e desfrutar dos Alpes. Esta preparação deve incluir a preparação física-muscular, o endurance mental, a nutrição e o treino específico de montanha. Se possível procurem acompanhamento profissional.

Acho que o conselho que posso dar também é terem atenção ao material obrigatório e ao recomendado para a prova. Na alta-montanha o material que usamos e a forma como o usamos é determinante. O material é sempre bastante, é volumoso e pesado, no entanto acreditem, pode ser fundamental à nossa sobrevivência. De resto, estando lá, o melhor é desfrutar dos Alpes e do Monte-Branco, pois é algo mágico.

 

Já agora, vais participar no UTMB 2019?

A participação no UTMB está dependente sempre de um sorteio e de uns pontos mínimos obtidos em provas previamente concluídas. Ou então, para não ir a sorteio, estar num nível elite com índice de Ranking ITRA superior a 770 nos homens e 660 nas mulheres. Portanto, nunca é fácil. Qualquer das formas a resposta é voltar lá sim, agora se será em 2019 ainda não sabemos J

 

Obrigada por participares nesta entrevista e continuação de grandes vitórias!

Obrigado eu mais uma vez e continuem o bom trabalho!