O disparate de uma estátua para quem corre
Por Filipe Gil
Por norma, temos emitido pouca opinião sobre questões que vão além da corrida, da nutrição e bem-estar. Mas hoje apeteceu-me escrever sobre algo fora destes temas. E antes de continuarem a ler, aviso desde já que as seguintes linhas refletem a minha opinião e não a dos restantes membros da crew (embora acredite que alguns partilhem da minha ideia).
Isto tudo porque ontem, sexta-feira, foi inaugurada uma estátua em homenagem ao corredor….(pausa para respirarem). Ora, homenageia-se quem se movimenta com uma estátua, inerte, parada para perdurar no tempo???
Sinceramente a única coisa que noto de comum entre uma estátua e quem corre é sofrerem com a intempere ao longo das estações do ano: chuva, sol, vento, granizo – venham eles que nós aguentamos.
Quando li a notícia, pensei sinceramente que era da autoria do jornal humorístico Inimigo Público. Uma estátua para quem corre… Acham que é assim que se homenageia que corre? Antes de continuarmos o pensamento, será que quem corre merece uma estátua?
Ok. Até sinto que aqui no blogue conseguimos mudar a vida de algumas pessoas e que com a nossa dedicação influenciamos a correr e com isso a melhorar a sua saúde e a tornarem-se exemplos, para os filhos, cônjuges, colegas de trabalho, etc. E não somos os únicos, outros grupos em todo o país fazem, e bem, o mesmo. Mas o que é esse esforço comparado com pessoas que, por exemplo, saem à rua à noite para alimentar os sem-abrigo, ou os cientistas que trabalham todos os dias para descobrir a cura contra o cancro, ou quem ajuda crianças no IPO? Não estamos a exagerar no hype da corrida? Agora somos, todos os que correm, super heróis?
Correr é algo natural e apenas a evolução errática da nossa sociedade nos fez abandonar essa prática. Coloquem os vossos filhos ou sobrinhos que mal aprenderam a andar, no chão e irão ver que eles não andam, correm, muito, sempre e com um sorriso na cara. Correr é natural, não deve ser homenageado. Faz parte do ser humano. Já imaginaram uma estátua a todos os que respiram?
Ao invés de estátuas, as entidades responsáveis deviam sim pensar numa política de saúde pública que incentive as pessoas a fazerem desporto, seja a correr ou outras atividades Para bem dos custos de saúde em Portugal e para todos vivermos com mais qualidade no dia-a-dia. Está tudo feito noutros países, é só copiar.
De um momento para o outro passamos a ser o país das estátuas, e não da estratégia e dos atos, não do planeamento, apenas das estátuas. Há estátuas para tudo. E a sua banalização está tirar o valor que estas devem realmente ter, a quem as merece realmente.
Isto tudo num país em que 85% das pessoas fica aborrecida quando vê a “sua” estrada cortada porque meia dúzia de malucos estão a correr um bom par de quilómetros.
Não acredito que uma estátua traga mais pessoas à corrida. Acredito sim nas ações e não na inércia. A melhor homenagem que podemos fazer a quem corre, se é que merece tal como já disse anteriormente, é continuar a correr e convencer mais pessoas que o podem fazer.
Não sou apologista do ficar sentado a criticar, por isso deixo aqui ideias:
- Ligar com uma via própria para a corrida (e bicicletas) o Parque das Nações a Cascais – eu sei que está quase, mas falta o quase. É urgente. E com luz para iluminar à noite e nos dias mais escuros.
- Abrir o atletismo como modalidade a mais pessoas. Campanhas junto de escolas. Uma espécie de programa “Tornar a Corrida Cool” para puxar os adolescentes. E ainda um programa que ensine que ser voluntário numa prova. Muito importante.
- Fomentar circuitos de corrida ao longo das cidades portuguesas. Pequenas indicações de circuitos na rua, tipo info turística, com a criação de várias tipologias de circuitos (em dificuldade e distância).
- Criação de uma rede de WC públicos com cacifos e chuveiros – pagos. Ou um cartão anual da cidade para utilizar os chuveiros de alguns health clubs.
- Diminuir o preço da entrada nas Meias e Maratonas em Portugal para quem está desempregado.
- Fomentar bolsas e apoios estatais de criação a empresas ligadas à corrida.
- Juntar marcas multinacionais a apoiarem corredores desfavorecidos. Nem todos podem gastar 50 euros nuns ténis para correr….
- Aposta na criação de uma elite de corredores portugueses. Porque isto sem ídolos vencedores não se consegue “puxar” gente para a modalidade. Só os atuais atletas federados sabem os sacríficos que passam atualmente e as condições de treino de alguns.
- Rezar para que a cidade do Futebol que vai nascer no Jamor não estrague esta meca da corrida a céu aberto.
Isto é um desabafo. Querem homenagear quem corre? Tornem-se corredores. Querem homenagear a corrida? Tragam cada vez mais gente para a corrida. E divirtam-se a correr.
p.s. – já descobri uma boa utilização para a estátua: é excelente para alongar a fáscia plantar.