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Correr na Cidade

II Ultra Trilhos Rocha da Pena – Os trilhos mais quentes do ano

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 Por: Tiago Portugal

 

Começo com um mea culpa. Já deveria ter escrito sobre os Trilhos Rocha da Pena há mais de 1 semana, mas alguns acontecimentos são mais difíceis de digerir do que outros e ainda estou a curar as feridas emocionais. Não queria escrever sobre esta prova. Gostava de puder voltar atrás e mudar algumas opções que tomei mas isso não é possível. Ainda me tentei esconder ou arranjar subterfúgios para não escrever sobre o que me sucedeu nesta prova. Mas isso não mudaria nada e como li algures esta semana, tentar já é mais do que muita gente faz e isso ninguém me tira, tentei e resisti ao máximo, mas morri na praia, a sentir o cheiro a mar.

 

Foi mais uma dura aprendizagem, têm sido muitas ao longo deste.

 

Mas afinal o que correu mal? Estiquei demasiado a corda e ela…rebentou-me em cima.

 

Vamos por partes.

 

Capitulo I – A viagem

 

O algarve é para mim, como será para muitos portugueses, sinónimo de férias, descanso, praia, família, amigos, diversão. Muitas das minhas memórias mais felizes da juventude são do algarve e das férias em família.

 

Pois bem, desde o dia 15 de agosto de 2015 o Algarve passou a estar assombrado com alguns dos piores momentos que passei em provas de trail, mas estou seguro que voltarei para enfrentar estes fantasmas, ainda não sei é se será já no proximo ano.

 

A ida ao UTRP só foi decidida em cima do joelho, sexta-feira de manhã. Estive até ao último dia a refletir sobre a prova e se valeria a pena ir, mas tive um pequeno empurrão do meu irmão e na véspera, dia 14 de agosto, fiz os preparativos para a prova. Aproveitando o facto de a prova ser no Algarve decidimos passar o fim-de-semana lá por baixo. Assim, sábado às 03h estava eu, a minha mulher, irmã e irmão no carro a caminho de Salir. A viagem correu na perfeição e chegámos ao ponto de partida da prova um pouco depois das 06h00. Fomos ao secretariado, deu para perceber desde cedo a simpatia dos voluntários, levantar os dorsais e equiparmo-nos. Éramos cerca de 50 participantes, entre eles algumas caras conhecidas, que como eu tinham vindo de Lisboa para percorrer 60km de trilhos algarvios.  

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 A hora da partida, 07h00, estava a aproximar-se e os nervos a começar a aparecer, ainda por cima era a 1ª vez que a Filipa estava presente na linha de partida, a responsabilidade era ainda maior. Um último abraço e um beijo de boa sorte e lá me dirigi para o pórtico de saída. Cheio de confiança afirmei ao Frederico que fazíamos a prova em 8h-9h. Pensava eu.

 

Capitulo II – Começar

 

Às 07h00 em ponto arrancámos todos e mais uma vez decidi começar depressa, e se ainda consegui estar a poucos metros dos primeiros classificados durante 2-3km, rapidamente fiquei sozinho com o meu irmão. O início da prova tem um estradão de cerca de 1km antes de finalmente entrarmos em trilhos, nesta fase inicial era um sobe e desce constante em montes pequenos, que davam para fazer a correr sem parar. Terreno com muita pedra e duro, temi que a prova fosse toda assim o que não veio a suceder-se.

 

Estávamos a correr a bom ritmo, e seguimos só os dois até ao km 8, ao qual chegámos com 50minutos de prova. Nesta altura já o meu irmão me dizia que estávamos a correr depressa demais e que assim não durávamos a prova toda. Eu afirmei que não, o “ritmo está bom”, “estamos a ir bem”.

 

Por volta desta altura somos ultrapassados por um grupo de 3 corredores e 1 deles decide ficar connosco. Um triatleta francês de 50 anos que também gosta de trail e resolveu experimentar os trilhos algarvios. Seguimos juntos até ao km 22,5, altura da subida cronometrada da prova.

Uma breve nota: Ideia excelente.Uma subida cronometrada para todos os concorrentes, estilo prémio de montanha, disputado entre todos os participantes dos 60km e 25km.

 

O percurso até esta altura foi muito diversificado e tivemos um pouco de tudo, desde a trilhos mais fechados a um troço mais técnico com muita pedra, estradão de terra batida e as primeiras, de muitas, subidas a pique que a organização gentilmente preparou para nós.

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Seguia bem-disposto e tudo parecia correr conforme planeado.

 

De repente, tudo mudou. A tempestade veio e desta vez resolveu ficar.

 

Capítulo III - Ferver até rebentar

 

Chegados ao fim da subida cronometrada encontramos uma senhora muito simpática, tal como todos os voluntários da prova, com um borrifador para nos arrefecer um pouco. Apesar de toda a simpatia e das palavras de ânimo comecei nesta altura a sentir-me muito cansado. Resolvi comer um gel e continuar a correr. Nesta fase era um rol de subidas e descidas umas atrás das outras. Ao fim de uns 2km resolvi começar a andar porque não me estava a sentir bem e custava-me muito respirar. Doía-me o peito e não  conseguia inspirar fundo. Disse ao triatleta francês para continuar que eu tinha que abrandar o ritmo.

Comecei nesta altura também a ficar indisposto com dores abdominais. O que me valeu foi a companhia do meu irmão que ficou comigo. Resolvi abrandar ainda mais o passo para descansar um pouco. Senti umas ligeiras melhoras e recomecei a minha prova até ao abastecimento do km30.

 

Metade da prova já estava feita e apesar de todos estes contratempos estávamos ainda dentro do estipulado,  31km em 4h08.

 

Paramos cerca de 10minutos, o que deu para descansar. Tentei comer qualquer coisa mas nada me sabia bem e não tinha fome nenhuma, só pensar em comida agoniava-me. Nesta fase da prova estamos no meio do nada. O abastecimento era perto de uma casa que tinha o campo de ténis com a melhor vista que já vi.

 

Ainda com dores ao respirar decidi continuar a prova. Fomos, eu e o Frederico, a passo durante a subida posterior ao abastecimento. Durante algum tempo a prova fez-se em estradões sem grande dificuldades, o pior era o calor que estava a começar a apertar e queimar.

 

Disse ao meu irmão para seguir ao ritmo dele que eu ainda ia demorar a recuperar. Meti a muito custo um gel e ao fim de 5-10m comecei a sentir-me com um pouco mais de energia, aproveitei este ímpeto e recomecei a correr. Durante 40 minutos senti-me novamente bem. Com 40km marcados no relógio e o próximo abastecimento já à vista deu-me outra vez o badagaio, a energia foi-se toda e até andar me recomeçou a custar. A passo de caracol cheguei ao abastecimento e sentei-me, já a pensar em não me levantar. 

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Fiquei mais de 15minutos sentado a tentar recuperar. Apesar dos esforços de todos os que passavam por mim não conseguia arrebitar. Mais uma vez não consegui comer mas aproveitei e bebi uma coca-cola bem gelada. Ao dim deste tempo já estava pronto para mais uns quilómetros. Resolvi continuar.

 

Devagar, devagarinho continuei a prova. Um km de cada vez, sempre que me sentia um pouco melhor tentava correr. Nas subidas sentia o ritmo cardíaco a disparar e tinha que parar mesmo para descansar. 

 

Demorei 4h a fazer os primeiros 30km e 4h a fazer os 15km seguintes... 

 

Uma última grande subida, interminável, exposta ao sol, e chegámos a uma aldeia onde estava localizado o próximo abastecimento. Apesar de as marcações estarem excelentes os km da prova estavam mal marcados e nesta altura da prova todos os participantes já tinham 5km a mais. O abastecimento do km45,5 estava ao km50,5. Algo a melhorar. Com o cansaço tudo chateia e irrita e não terei sido o único a rogar pragas á organização. 

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 Capítulo IV - Esgotar

 

Doeu. Doeu muito.  

 

O Frederico resolveu esperar por mim no abastecimento. Assim que cheguei, sentei-me e pedi-lhe para continuar que eu ia desistir. Já não dava mais. Liguei à família e disse à organização que ia desistir. Tentei novamente comer, sem sucesso, não me apetecia nada daquilo. No entanto, havia uma barraca de gelados mesmo em frente e já que ia desistir ao menos comia um geladinho. Soube-me tão bem, tão bem, que comi 2. Estive cerca de 20m parado a deliciar-me com o gelado enquanto tentava dar forças aos restantes participantes. De repente perguntam-me: Afinal sempre vai desistir? Não sei o que me deu. Meti novamente o dorsal e disse que não. Ia tentar continuar. O milagre do gelado. 

 

Meti-me novamente a caminho e ainda consegui correr até chegarmos a um ribeiro seco. Muita pedra. Muito calor. E, sem avisar o martelo. Tinha esgotado todas as energias. Só andar doía-me tudo. Dor de burro, dor de cabeça, dor nas pernas, doía tudo mesmo. Fiquei tão mal disposto que vomitei. Pensei em parar mesmo alí no meio dos trilhos.Demorei 2h a fazer 8km. 

 

Cheguei finalmente ao abastecimento e estiquei-me no chão. informei que ia desistir. Não me importava que estivesse a 7km do fim, nem que fossem 2km. Acho que na altura nem 500m conseguia.

 

Atingi o limite. Esgotei-me.

 

Ainda estou a refletir sobre o que se passou e sobre várias opções erradas que tomei.

 

UTRP:A prova estava muito bem organizada, bem marcada, com abastecimentos nos sítios certos e com comida suficiente. Voluntários 5 estrelas. Vários fotógrafos. Tanques para arrefecer. Trilhos diversificados. Muitas, muitas subidas, daquelas mesmo a pique. Calor, demasiado. No fim da prova tivemos direito a 1 bebida e 2 bifanas. 

 

Devido ao fato de termos começado antes das provas de 25km e 15km e terminado muito depois, não vi mais ninguém além dos 50 "malucos" do ultra. Esta prova pareceu uma festa privada só para nós, deram-nos total atenção.

 

Em termos negativos tenho a apontar os erros nos km da prova, 65km não são 60km e com 10h de prova nas pernas todos os metros a mais custam.

 

Mas é uma prova que tem tudo para se afirmar no panorama nacional, pela localização, data e simpatia dos algarvios.

 

Certamente regressarei, só não sei quando.   

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