Crónica II – O corpo não é de ferro
Por Tiago Portugal
Domingo - 3 de agosto de 2014 – 20h19 - Faltam 40 dias 5 horas e 40 minutos…
A 9ª semana do meu plano de treinos foi atípica. Foram precisos quase 2 meses intensos para finalmente quebrar psicologicamente, mas principalmente fisicamente. Ao longo da semana vivi de tudo, alegria, tristeza, desânimo, euforia, dor mas principalmente cansaço.
Ao fim de 500km fui-me abaixo, não me apetecia correr. Terça-feira não consegui realizar o treino na sua totalidade e quarta-feira ao fim de 25 minutos parei de correr. Passei por momentos de tristeza em que duvidei de muito, felizmente, quinta e sobretudo sábado à noite voltei a rir-me enquanto corria e a experienciar a “magia” que existe no trail, senti-me novamente como um adolescente apaixonado.
Conto-vos tudo a seguir.
Segunda-feira 28 de julho: Apesar de saber que não é o mais indicado, principalmente porque o risco de me lesionar é grande, joguei futebol com uns amigos. Não podia ter começado pior a minha semana, o esforço necessário para me mexer era gigantesco e parecia que tinha dois tijolos nos pés. Nada de anormal, mas desta vez ainda mais quadrados do que o habitual. Prometi-me que até à data da prova não jogaria mais futebol. Um pequeno sacrifício em prol de algo maior.
O corpo começou a ressentir-se do esforço do treino longo de domingo, 3horas na serra de Sintra.
Treino realizado: 1h30 de futebol 5
Terça-feira 29 de julho: Seguindo o meu plano de treinos, deveria ser o dia de fazer 3X20minutos, com um batimento cardíaco elevado, só se inicia a 2ª repetição depois de o ritmo cardíaco diminuir até aos 120 bpm. É o tipo de treino que menos gosto, obriga-me a correr depressa o que não é o meu forte. Fui para o paredão de Oeiras, 15 minutos de aquecimento e comecei, os primeiros 20m ainda me aguentei a um ritmo de cerca de 4:20 km/m. Parei, o tempo suficiente para o meu batimento cardíaco diminuir e recomecei a correr. Ao fim de 5m já estava quase em esforço máximo, foi um sacrifício aguentar 15 m, só o fiz porque o meu irmão puxou por mim e não me deixou ficar para trás. Já não consegui efetuar a última repetição, estava de rastos.
A sentir-me cada vez com menos energia. Apesar do cansaço físico a minha mente fervilhava, e mal preguei olho.
Treino realizado: 10,31km em 54min
Quarta-feira 30 de julho: Saí do trabalho cheio de vontade de ir correr, talvez para me redimir do fracasso do último treino. Cheguei a casa, troquei de roupa e segui para o paredão de cascais. Ao fim de 25m parei. Não me sentia bem e não me apeteceu correr mais. Desânimo completo. Fui invadido de sentimentos de tristeza que só aliviaram com o gelado. Vim a pé para casa. Psicologicamente fui-me abaixo e pela primeira vez questionei-me se deveria prosseguir os treinos e sequer ir à Serra Nevada. Qual o propósito? O que quero provar a mim próprio? Ainda hoje penso sobre isto.
Cada vez mais desmoralizado.
Calções de corrida Response da Adidas
Treino realizado: 6,31km em 1h
Quinta-feira 31 de julho: Treino aberto do Correr na Cidade em ambiente noturno no Jamor, 1h20 nos trilhos com direito a utilização de frontal e tudo. A alegria voltou, apesar do cansaço, o grupo que se formou foi coeso e o ambiente espetacular. Muitos risos entre cada passada e a certeza que estes treinos me enchem a alma. Pude ainda ver como se comportava o meu frontal. Pela 2ª vez esta semana levei os calções de corrida Response da Adidas que confirmaram a 1ª impressão, calções muitos leves e confortáveis, passado algum tempo não se sentem. Têm ainda uma característica que prezo muito, um bolso grande, de fecho, na parte de trás. Um parceiro ideal para estes treinos.
Terminei a pensar que ia dar a volta por cima e que o desânimo dos últimos dias ia começar a ser ultrapassado.
Treino realizado: 10,5km em 1h20 com 213 m de Desnível positivo
Sexta-feira 1 de agosto: Dia de descanso e recuperação muscular. 30m de alongamentos em casa. Aproveitei para descansar e estar com a família.
Não pude no entanto evitar de pensar, e falar, sobre corrida durante grande parte do dia. Às vezes parece que não penso em mais nada. Quem sou, o que faço, com quem estou e até o que como e bebo está a cada vez mais influenciado pela corrida, pelo trail e pelos desafios a que proponho.
Treino realizado: 0km
Sábado 2 de agosto: Dia do Ultra Trail Noturno de Óbidos. Percurso de 50km percorridos durante a noite, não gosto de correr à noite, que serviam de treino longo para a minha semana. Aproveitei para dormir durante grande parte da manhã. Após o almoço comecei a arranjar o material necessário, um ritual cada vez mais demorado e minucioso, ao pormenor. De acordo com as indicações do José Carlos Santos esta prova serviria para testar a alimentação e mais algum material que quisesse levar para a Serra Nevada.
Levei alguns géis e barras, todas diferentes e aproveitei para testar também a parte da hidratação.
Fomos cedo, eu o meu irmão e um amigo, para aproveitar a Feira Medieval de Óbidos e jantar com calma. O ambiente era de festa, muitas caras conhecidas entre os presentes, ao fim de algumas provas revejo quase sempre os mesmos, e já de dorsal na mão aproveitámos para ir comer qualquer coisa.
Jantar tomado e já equipados a rigor fomos em direção ao ponto de partida. Não tinha grandes espectativas para esta prova até porque a sobrecarga de treinos era elevada e não me sentia com grande fulgor físico, ia valendo a animação do meu irmão que estava no seu 1º ultra-trail.
21h00, frontal na cabeça e lá arrancamos, cerca de 450 participantes. No início da prova decidimos começar mais lentos para gradualmente ir aumentando a velocidade. Noutras provas já tinha posto em dúvida esta estratégia pois ficar a meio do pelotão ou mais para trás implica perder muito tempo nos 1ºs km e assim que a prova passa a single track o tempo que se perde é quase irrecuperável. Ao fim de uns poucos Km’s parámos, estavam umas 50 pessoas à espera para descer para o trilho. Decidi em conjunto com o meu irmão aumentar um pouco o ritmo para não ficarmos muito atrasados.
Ao contrário de outras provas em que nos primeiros 40 minutos me sinto com sono e até me custa correr senti-me muito bem e até ao abastecimento do km 25 fomos sempre a ultrapassar atletas. Cheguei ao abastecimento eufórico, sentia-me a 100%, há muito tempo que não me sentia com tanta força numa prova, olhei em redor e vi o Stefan sentado com um ar desolado. Sabia que ele estava entusiasmado com a prova e queria fazer um bom tempo, vê-lo desistir abalou um pouco a minha confiança. Falei um pouco com ele, comi, ingeri muitos líquidos, pela 1ª vez bebi coca-cola numa prova e recomecei a correr, esperavam-nos 9 km de prova na areia. Foi a 2ª parte mais dura da prova, a 1ª foi quase no fim mas já lá chegarei. Sempre bem acompanhado fui atrás de 2 corredores que impuserem um ritmo avassalador. A muito custo lá percorremos as arribas e finalmente chegámos ao abastecimento do km 34. Nesta altura ainda me sentia bem. O meu irmão estava prestes a quebrar o seu recorde de km percorridos, 35 km, e puxava por mim mas nesta altura já era muito má companhia, pelo que me recordo eram raras as palavras que dizia, tirando algum vernáculo mais impróprio.
Ao 47 km o meu irmão disparou, quis acompanhá-lo mas o corpo não respondeu. O cérebro pensou e o corpo não executou. Fiz os últimos 5 km sozinho e em grande sofrimento, os 2 km finais pareciam intermináveis, roguei pragas à organização.
Prova terminado com um sabor agridoce. Sei que podia ter feito mais mas testei a minha resposta à alimentação e algum material que irei levar comigo a 13 de setembro.
Treino realizado: 52km em 6h43 com D+ de 805 m.
Domingo 3 agosto 2014: Dia de recuperação e muitos alongamentos. A dor que senti na parte posterior da coxa no fim de Óbidos regressou e começo a ficar preocupado. Deveria ter dado uma corridinha de 1hora mas qualquer exercício que implicasse mexer mais do que os olhos era um esforço demasiado grande.
Resumo da semana: 79,11km com 1078 de D+
Leia, ou releia, a Crónica I, aqui.