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Correr na Cidade

Correr sem parar

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Por Filipe Gil:

Estavamos juntos na linha de partida de um trilho noturno. Equipados a rigor, eu, o Nuno Malcata, o Tiago Portugal, o Rui Pinto e a Bo Irik. A minha mulher, a Ana Morais e a Joana ficaram mais atrás na partida porque foram fazer uma prova mais curta. De fora, o Luís Moura e a Liliana apoiavam o pessoal com a força que só eles conseguem transmitir.

 

E começámos juntos a um bom ritmo. O Tiago perguntou-me duas vezes como estava a minha lesão. Eu respondi que estava tudo bem, sem dores, sem sintomas. Às tantas estava sem dores decidir seguir mais rápido e arriscar. Fui com os líderes da prova - gente mais velha e com mais experiência. Passamos por grutas, por obstáculos naturais, por floresta densa, single tracks. Consegui ultrapassar uns tantos corredores claramente melhores que eu. Estava feliz, sem dores. Passei por um posto de abastecimento onde estava a Lili e o Moura, disseram-me ""estás bem. E essas dores?". Eu sorri, acenei que estava ok com a mão sem conseguir falar do cansaço enquanto sorvia um líquido, não sei precisar qual. Mas sentia-me bem, feliz, recuperado, "back in business", até que...

 

Até que acordei. A meio da noite na minha cama. Era cinco e pouco da manhã desta segunda-feira. Acordei com um misto de alegria e tristeza. Alegre porque ainda estava com a sensação latente que estava a correr um trilho, triste porque a verdade é bem diferente. Ainda lesionado, sem saber quando posso voltar a sentir o cheiro da natureza e aquele chocalhar da água dentro dos bidões de liquido que levamos ao peito.

 

Custou-me voltar a dormercer. Fiquei a refletir em várias coisas. Primeiro, que quando sonho com corridas só sonho com trilhos. Nunca sonhei que corro em estrada.Estranho mas verdadeiro. Por exemplo, depois de ter feito os 33kms do Louzan Trail, sonhei umas cinco vezes, das que me lembro, com  prova. Sempre com aquela sensação de sonho bom, sabem qual é, não sabem?



Depois pensei muito na minha recuperação, na "paciência de Jó" que temos de ter para superar isto, sobretudo quando vivemos intensamente a corrida - quer através de amigos, quer, no meu caso, porque com o resto da crew gerimos um blogue e precisamos sempre, incessantemente de procurar bons conteúdos sobre o mesmo.

 

Mas cheguei  a uma daquelas conclusões: nunca mais serei o mesmo corredor! Se quando andei dois a três meses com uma fascite plantar alterou a minha forma de abordar a corrida, esta lesão do síndroma da iliotibial do joelho direito que me afasta das corridas desde o início de março, vai marcar-me para sempre. Nunca mais serei o mesmo. Nunca mais irei abordar a corrida da mesma forma, nunca mais irei fazer os aquecimentos, os alongamentos e as provas da mesma forma que fazia anteriormente. Estou a aprender da pior maneira que tenho de ouvir o corpo. Que já tenho 41 anos de idade.

Estou a aprender da pior forma que temos de ter cuidado com a nossa postura. Estou a aprender da pior forma que quando nos metemos em grandes aventuras é necessário reforço muscular, para evitar lesões. Não sei se sairei desta lesão melhor corredor, mas serei, concerteza um corredor mais esperto com mais cabeça e menos coração. E estou certo que darei graças da todos os kms percorridos, nem que sejam os "monótonos" 10km à beira tejo

 

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De resto, e para fazer ponto de situação da recuperação - e sei que há mais como eu - iniciei a fisioterapia. Exercícios com rolo (entretanto adquiri um no El Corte Inglés por 12 euros da Boomerang - é o da primeira imagem deste post), massagens, algumas dolorosas, laser e ultra sons. E tenho feito também trabalhos de casa. Tenho sido muito bem atendido na Clínica de Fisioterapia - depois da conversa com o fisiatra não ter sido tão boa. As fisioterapeutas têm tido muita paciência comigo. Claro que só ao fim da terceira sessão é que começam a ligar a minha cara à lesão e começam a tratar mais dedicadamente o meu caso.  

 

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Mas claro, tal como me aconteceu uma vez, há uns anos, quando decidi perguntar a opinião a amigos e conhecidos sobre que marca de carro deveria comprar, o mesmo se passa quando pergunto se devo ficar parado ou devo correr (mesmo que muito pouco 3 a 4kms). Uns dizem que não, que devo estar quieto, outros dizem que devo ir experimentando dar uns passos de corrida. Cada um com a sua opinião. A decisão é minha, claro. E agradeço todos os contributos. Mas às vezes torna-se confuso.

Não estou a correr, não vou correr nos próximos dias, mas haverá um dia em que terei que experimentar. Recordo aqui que não tenho quaisquer dores, quaisquer sintomas. O único sintoma surge ao fim de 8/9 kms de corrida. É de ir aos céus! 

 

Ao longo destes três anos de blogue (sim, estamos a fazer três anos de post diários), estive sempre a  colocar objetivos. Objetivos esses que ajudaram nos treinos. Ir à prova X, depois à Y, tentar baixar um tempo, correr mais quilómetros, etc. Por exemplo, os meses que vivi focado no Ultra Trail do Piódão foram bons. Intensos fisicamente, mas bons. Ajudaram-me a passar fases mais complicadas de stress no emprego, por exemplo. Mas sem objetivos, porque sinceramente, não sei quando vou voltar a correr sem dor 10km, as coisas complicam-se. 

 
O fato é que adoro escrever. E adoro escrever sobre corrida.
Mas até este simples exercício, destes simples post torna-se incomodativo. Porque no fundo já não me sinto corredor. Sinto-me que  apenas posso contribuir com posts sobre a minha lesão. E quero sim, com estas linhas tentar ajudar quem está a passar pelo mesmo que eu. Porque até nisto tento tirar algo de positivo e estou a tentar aprender com esta experiência para me tornar ainda mais resiliente. Sei que quando voltar aos trilhos estarei muito, mas muito diferente, e creio mais forte. É isto que me motiva no dia-a-dia. 

 

Boa corridas.