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Correr na Cidade

Correr 10km depois de uma perna partida

Por Filipe Gil:

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Consegui! Consegui correr 10km!!! Sabem aquela sensação que nos faz ficar feliz sem sabermos bem porquê depois de uma corrida? É assim que ainda me sinto umas horas depois de ter feito os meus primeiros 10 km depois do acidente que tive em finais de julho.

 

Quatro meses e uns dias depois de ter tido um acidente de mota que me partiu o fémur e me levou à mesa de operações - e a colocar parafusos e “coisas” dentro do osso (ver foto abaixo) -, voltei a fazer uma prova oficial e a correr pela primeira vez em muitos meses a distância de 10km.


Era algo que vinha a falar em casa e com amigos, ainda com algumas dúvidas, mas que foi tomando forma nos treinos de 6 e 8 kms que fazia aos fim-de-semana. Foram treinos sempre com algumas dores musculares e alguma impressão no osso, mas que nas ultimas semanas diminuíram de forma a tomar a decisão de ir fazer os 10 km dos Descobrimentos.

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Decidi fazer a prova, a amiga Joana Aguiar, conseguiu uns dorsais e a minha mulher prontificou-se a acompanhar-me e a motivar-me ao meu ritmo. E consegui. Segundo a minha app da Nike fi-lo em 1h08m. Nunca tinha feito esta distância em tanto tempo, mas nunca me deu tanto gozo superar um desafio destes. Conto, resumidamente como foi:

 

Os primeiros 3 kms são sempre estranhos. Não consigo correr sem coxear, os músculos falam uns com os outros para tentar perceber o que se está a passar. Sinto-me sempre fraco e a correr “de lado”. Por muito aquecimento e alongamento que faça, a perna esquerda está sempre pouco preparada para correr.

 

Dos 3 aos 6 kms foi o regresso da perna ao seu normal. Sem grandes diferenças com a perna “boa”. Nesta altura, com o apoio da Natália mesmo ali ao lado, tornou-se mais fácil a corrida. Distraído com piadas e a mandar piadas em conjunto, a observar algumas figuras curiosas do mundo da corrida, foram kms divertidos. Voltei a ver muitas caras conhecidas da corrida que, no mínimo, devem ter estranhado como alguém com a camisola do Correr na Cidade ia tão atrás e tão lento (fiz questão de levar a camisola do CnC!!).

 

Dos 7 aos 9kms senti-me bem. Senti-me corredor novamente. Comecei a correr mais depressa, com a passada regular e a sentir bem o toque no alcatrão. Nesta altura a perna já estava bem quente e sentia-me a correr como outrora corria (quando estava em forma), isto apesar da vagareza a que ia. O 7º quilómetro correu mesmo bem. Estava inspirado pelos corredores que passavam por mim do outro lado da estrada a caminho dos 21km. Estava feliz e embora muito calado, a força que vinha ao meu lado era muito importante. Mas reduzi um pouco a velocidade a meio do 8º km. Tive medo. Medo de forçar o osso, medo de me sentir muito combalido no final da prova, medo de fazer merda com a operação – apesar do aconselhamento médico que tenho de correr, correr e correr cada vez mais.

 

Mas o 9º km foi o reavivar competitivo. Forcei, corri mais (no smartphone baixei para uma média de 5:50 ao km – o que é rápido quando se está em recuperação). Tentei dar o máximo. Esqueci-me da perna. Esqueci-me do acidente, foquei-me na respiração ofegante, na passada ritmada, no ser corredor novamente. E em toda a adrenalina que isso nos dá.

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Ao ver a meta confesso que, por detrás dos óculos escuros, estava muito emocionado. Fiz algum esforço para não chorar (que piegas…). Mas lembrei-me dos momentos pós acidente em que não sabia se voltaria a andar como deve de ser, quanto mais correr; pensei nos momentos pós-operatório em que cada ida ao WC era digna de uma odisseia com muitas muitas dores, e dos meses de fisioterapia em que por vezes me frustravam muito. Tudo isso deu um sabor especial a esta prova que, talvez só quem passe por algo semelhante possa dar valor.


Sinceramente, só penso já na próxima prova de 10km. E começo a piscar olho à Meia Maratona, quando? Não sei, logo se verá. Sei que vou ter que voltar à mesa de operações daqui a 1 ano para tirar todo o material que tenho na perna, e que após isso vou ter que recomeçar tudo de novo, voltar à fisioterapia, voltar às muletas e à chata de recuperação antes de voltar a poder calçar os ténis de corrida, mas até lá ninguém me tira o gozo de voltar a correr.

 

Estas penúltimas palavras são para aqueles que agora não podem correr por alguma razão de saúde. Acreditem, o caminho não é fácil, mas foquem-se no objetivo de voltarem a calçar os ténis e a participar nestas provas com imensos anónimos e que tanto gozo vos dá.

 

E as últimas palavras são para os agradecimentos. Não podem faltar porque a minha prova não começou quando soou a partida dos 10k dos Descobrimentos, mas muitos meses antes, ainda na cama do Hospital São Francisco Xavier com a visita da família e amigos.

 

Assim, há que agradecer quem me ajudou – e teve paciência de me ajudar – nesta “nova” viagem: à minha mulher e aos meus filhos, ao meu pessoal do Correr na Cidade (eles sabem quem são), ao Filipe Semedo (pela motivação) e aos médicos, enfermeiros e claro à minha fisioterapeuta do Hospital São Francisco Xavier, a Ana Encarnação, que me deu força para que os momentos que escrevi acima fosse possíveís. Obrigado a todos. A viagem (re) começa aqui.

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