Como gerir os abastecimentos nas corridas de longa distância
Por Tiago Portugal
Numa prova com muitos quilómetros são vários os fatores que influênciam o desfecho final e que podem determinar a conclusão ou não da prova e o fato de atingirmos os objetivos a que nos propusemos.
Além de toda a logística necessária, um dos aspetos relevantes neste tipo de provas é a adequada gestão dos abastecimentos.
Por vezes a diferença entre terminar uma prova ou abandonar são os 5 minutos de descanso ou uma escolha errada de alimentos. Já esgotados chegamos a um abastecimento, descansamos um pouco as pernas, comemos banana com sal grosso, que tem um efeito regenerador no meu caso, bebemos Coca-Cola e de repente sentimos uma nova energia, o ímpeto regressa e estamos prontos para mais uns Km's.
Por norma, nas provas de trail com mais de 44km é frequente existirem pelo menos 4 abastecimentos, número que aumenta em proporção da distância total da prova. O que fazemos em todas estas paragens é relevante. Devemos “ouvir” o nosso corpo e dar-lhe o necessário para continuar a correr por mais uns quilómetros, seja descanso ou nutrientes. As opções são diversas, desde não parar em nenhum abastecimento, ficar o mínimo só para abastecer água ou simplesmente descansar uns minutos, é importante definir uma estratégia e ir adaptando-a às nossas necessidades e às vicissitudes de cada prova.
Conhecer o nosso corpo
Um dos principais aspetos é conhecer o nosso corpo, saber a que alimentos respondemos bem, o que não toleramos mesmo e muito importante, tentar não “inventar “em dias de prova. Dentro da oferta normal das provas de trail, podemos encontrar fruta (banana, laranja, melão, melancia), marmelada, batatas fritas, tomate, amendoins, paio. Improvisar na hora de escolher os alimentos é uma das razões para nos sentirmos mal, condicionar o resto da prova e em alguns casos levar ao abandono. O melhor é utilizar os treinos, principalmente os longos, para ir testando os alimentos e a reação do nosso organismo.
Ao fim de algumas horas a correr e de esforço contínuo em montanha o nosso corpo vai mudando as suas necessidades e a resposta aos diversos alimentos, sendo por isso necessário aproveitar os treinos longos para ir testando as diversas alternativas existentes no mercado. Pessoalmente os géis com café dão-me muita energia, a banana com sal já me salvou em algumas provas e por estranho que pareça, naqueles momentos é só o que me apetece comer e sabe-me bem.
Pré-Prova
O Luís Moura já falou aqui da importância da logística de uma prova, entre os quais está a avaliação dos abastecimentos. Uma boa opção é ir à página Web das provas, e se a informação estiver disponível, ler onde estão os abastecimentos e que alimentos e bebidas vão estar ao nosso dispor. Se a informação não for disponibilizada o melhor é enviar um e-mail a solicitar esclarecimentos. Conhecer e saber que alimentos vão estar presentes é uma informação valiosa na hora de definir a nossa estratégia de alimentação e hidratação.
Estratégia
Não deixar nada ao acaso. Elaborar um plano para cada prova, saber se, e onde vamos parar, quanto tempo vamos ficar em cada abastecimento e o que comer em cada um deles. Escolher os alimentos a levar na mochila e a quantidade de água e de isotónico a carregar. Ter uma estratégia previamente definida é uma ferramenta de gestão que vai permitir antecipar necessidades futuras e diminuir o risco de nos esquecermos de levar a quantidade necessária ou mesmo aquele produto que por vezes faz a diferença. Em prova, muitas vezes é necessário efetuar uma gestão cuidada dos líquidos, e saber o tempo que falta até ao próximo abastecimento é crucial. Uma correta ingestão de líquidos e sólidos é fundamental para o sucesso de uma prova. Ficar sem água e isotónico numa prova e longe do próximo abastecimento condiciona a prestação, cria stresse, e pode mesmo ter graves consequências.
Ser flexível
Podemos ter o melhor plano do mundo, ter a prova toda estudada e mesmo assim algo não correr bem. É importante saber escutar os sinais que o corpo vai dando e perceber as nossas necessidades e fraquezas. Os elevados gastos calóricos e energéticos gerados ao longo de um esforço físico contínuo, determinam o que o organismo vai necessitar na progressão da nossa prova. Assim é vital repor os níveis de sais minerais e iões fundamentais no esforço muscular.No entanto, devemos ser flexíveis e não ter medo de comer aquele capricho, seja chocolate, bolachas ou coca-cola, esse mimo pode muito bem ser aquilo que nos vai salvar. Aquele chocolate Snickers que às vezes me sabe tão bem.
Gestão do tempo
Apesar de em algumas provas os abastecimentos serem um autêntico festim alimentar não são nenhuma prova de degustação. Parar 10 ou 15 minutos em cada abastecimento para comer e conversar significa mais uma ou duas horas de tempo final de prova. Deve efectuar-se uma pausa mais longa para descansar caso seja necessário mas parar demasiado em todos os abastecimentos vai atrasar-nos e prejudicar os nossos objectivos para a conclusão da mesma. Uma boa opção é definir um plano de gestão do tempo de paragem, sendo que nas provas maiores, devemos a meio da mesma efetuar uma pausa maior.
Por exemplo, numa prova de 80km não parar no 1º abastecimento, a não ser que seja necessário repor líquidos, e fazer uma paragem maior ao km 40.
Paragem Grande
Nas provas longas é usual existir um abastecimento a meio onde podemos descansar, comer algo mais consistente, trocar algumas peças de roupa e de sapatilhas. Estas pausas são importantes para relaxar, redefinir estratégias e objectivos. É altura de recuperar do esforço e ganhar ânimo e energia para terminar. Se necessário podemos repetir esta pausa no terço final da prova.
Na Serra Nevada o fato de não ter trocado de sapatilhas a meio da prova e ter tomado uma má opção estratégica, improvisei e resolvi pela 1ª vez utilizar os bastões, prejudicou a minha prestação e quase me levaram a abandonar.
Os voluntários
Em 99% das provas os voluntários presentes são uma ajuda preciosa. A palavra de incentivo e o sorriso que nos ajudam a elevar o moral e a continuar determinados. O apoio dado nos abastecimentos é crucial, desde encher os bidões e os reservatórios de água e isotónico, tirar dúvidas, aconselhar sobre os alimentos e ajudar nos problemas físicos. Responder com um sorriso às mesmas perguntas repetidamente, “onde estamos” e “quantos quilómetros faltam”. Aquelas mentirinhas tão importantes, “estão quase a terminar”, “já só faltam 2km” ou então “ a partir de agora é sempre a descer”. Os voluntários são também eles corredores de montanha, e podem ajudar-nos a alcançar o nosso objectivo mais do que imaginamos. A única regra é agradecer sempre.