A importância dos desportos complementares
1ª Conferência de OCR | Police Challenge Viseu
21 Abril 2018
No passado mês de Abril participei numa corrida de obstáculos, a VISEU POLICE CHALLENGE, que apesar de ir apenas na sua 2ª edição, é já considerada a melhor do país e contará com outras edições ainda este ano (Leiria – 17 Junho; Portimão – 14 Outubro).
São mais de 1000 participantes, numa corrida de obstáculos de 10km com muita diversão e competição saudável. Muita lama, tiro, rastejar, água, saltar e trabalho de equipa. A Prova está muito bem organizada, com obstáculos desafiantes, alguns acessíveis mas muitos já com um grau de dificuldade elevada. É uma prova muito bem estruturada com uma parte do percurso em área urbana e outra parte em zona verde.
Na véspera da prova a organização promoveu a 1ª conferência de OCR (Obstacles Course Race) em Portugal, com diversos oradores e que abordou temas como a importância dos desportos complementares e a prevenção de lesões.
Para quem considera a corrida o seu desporto de eleição é importante ouvir testemunhos sobre a importância de variar e de utilizar outros desportos para potenciar o nosso desporto principal, sejamos ou não atletas profissionais. Foi o que alguns dos oradores vieram afirmar com base nas suas experiências.
O primeiro testemunho foi da atleta portuguesa com mais medalhas em provas de OCR, a Inês Jordão, que nos falou um pouco da sua trajetória desportiva e da importância de direcionar os nossos treinos para as nossas fragilidades.
Por exemplo, a Inês Jordão, como atleta de Spartan Races (provas de OCR com elevado grau de exigência técnica e física) confessou que recentemente se virou para o Trail Running pois achou que lhe faltava endurance para aguentar melhor as Spartan Races. Utilizando assim o trail (já a treinar com o objetivo de participar na prova de 106km na Ilha da Madeira) para aumentar a sua resposta cardiovascular e com isso conseguir melhores performances no seu desporto principal – Spartan races.
Tiago Lousa, orador convidado na condição de treinador de Crossfit, mas também ele atleta medalhado de Spartan races, deu ênfase à importância do treino funcional (como o crossfit) planeado e direcionado para os objetivos e fragilidades dos atletas.
A base do treino funcional é a reprodução dos movimentos que fazemos no nosso dia-a-dia – sentar, andar, agachar, correr, deslocar objectos – e tem como objetivo fortalecer o nosso corpo e dotá-lo de movimentos que facilitem a nossa vida.
No entanto, no crossfit treina-se muito mais do que isso, treina-se resistência, força e velocidade. Treinam-se capacidades físicas coordenativas, como o equilíbrio e a destreza (através dos skills gímnicos), treinam-se movimentos de carga / Halterofilismo que não sendo funcionais servem para se ganhar força, coordenação e também reforçam o equilíbrio permitindo um transporte ou deslocamento de cargas mais eficaz e seguro noutras actividades desportivas e também nas actividades do nosso quotidiano. Todas estas actividades servem também para ajudar a melhorar o desempenho, por exemplo, na transposição de obstáculos para quem quer participar em provas de OCR.
Também no crossfit, pela variedade dos treinos e pela vontade de evoluir e de nos superarmos, treinam-se capacidades mentais importantes para todos os atletas, como a força de vontade, a disciplina, a resiliência, o saber sofrer, etc.
Para os atletas de alta competição, a estrutura mental é de extrema importância para sua performance pois na maioria das vezes “é preciso acreditar que se quer” – palavras do Tiago Lousa que também não se considera um atleta de OCR mas sim, como a Inês Jordão, um atleta de Spartan Races.
De acordo com ambos, numa Spartan Race, há um maior grau de exigência a nível de resistência (endurance) mas os obstáculos são mais de esforço de sofrimento do que de grau de dificuldade física, daí a importância da estrutura mental de um atleta.
Assim sendo, o trabalho mental é também muito importante para um atleta que se pretende superar ou melhorar grandemente a sua performance, pois além da prova em si, o próprio treino diário já pressupõem uma maior dedicação e força de vontade para que a transformação aconteça.
O médico fisiatra Paulo Casalta concentrou o seu testemunho na prevenção de lesões. De acordo com o médico, um aquecimento condigno é muito importante na prevenção das lesões. Um aquecimento de baixa ou moderada intensidade, como um light jogging, utilização inicial de cargas leves, alongamento muscular inicial e uma boa hidratação são essenciais – e porquê?
- Porque melhoram a distribuição de sangue por todo o corpo mas também nas zonas requisitadas
- Porque melhoram o aporte de fluido articular e trabalham as articulações que iriam ficar em stress durante o treino sem um aquecimento prévio;
- Porque melhoram o funcionamento muscular (compliance muscular). O alongamento provoca uma perda de força muscular mas se houver uma contracção isométrica logo de seguida, essa perda é reversível e torna-se até positiva pois reforça o trabalho do próprio músculo;
- E porque uma boa Hidratação regula com maior eficácia a temperatura corporal e todo o processo metabólico (nota muito importante, de acordo com o médico Paulo Casalta – principalmente – para os atletas de trail e ultra-trail!).
O médico falou-nos um pouco também do mito da toma de anti-inflamatórios antes de uma prova – é um erro!
O consumo de anti-inflamatórios diminui o aporte de sangue aos rins, o que aumenta a probabilidade de lesão renal pois a extração de toxinas fica diminuída – um das funções principal dos rins. A actividade renal é muito solicitada quando o corpo está em esforço pois também trabalha para manter o equilíbrio hídrico no organismo, compensando a perda de água e sais.
Concordando com os oradores anteriores (Inês Jordão e Tiago Lousa), também Paulo Casalta defende a importância do treino complementar/acessório. Há atletas de trail e ultra-trail cujo treino é só correr, correr, correr e correr!
De acordo com a sua experiência, assim não há treino muscular ou articular, há só desgaste. O treino de reforço muscular e articular, o treino de equilíbrio, o treino de “core” são de extrema importância para proteger os músculos e articulações cujo esforço será solicitado durante uma prova. Na opinião do médico, O treino acessório é algo que é necessário implementar para melhorar e corrigir a performance e prevenir lesões.
Ficou também uma chamada de atenção para a importância do “cool down” – parar abruptamente não faz bem, deve haver uma normalização controlada da actividade muscular e de todo o sistema cardiovascular.
Um bom alongamento final ajuda a restabelecer as micro-roturas musculares geradas pelo treino. Apesar de durante o alongamento existir uma acentuação dessas roturas através do alongar das fibras musculares, há sempre uma vantagem na recuperação muscular pois a compliance muscular é reforçada através dos movimentos isométricos provocados pelos exercícios de alongamento.
Paulo Casalta, aconselha também o uso de “foam rols” cuja utilização considera que tem tido resultados positivos na recuperação muscular, assim como as massagens pós e pré-treino, principalmente para atletas com elevada carga horária e grau de exigência nos treinos, porque ajuda a prevenir as assimetrias musculares provocadas pelo treino intenso e a prevenir a descompensação muscular que pode levar à dor crónica.
Antes de terminar a sua apresentação, Paulo Casalta, reforçou a relevância do tema – a dor!
O mais importante para qualquer atleta é o respeito pela dor, saber ouvir o seu corpo. A dor a ter em consideração não é a dor resultante da fadiga muscular que se sente após um treino exigente ou durante uma prova dura. O problema não é a dor que nos remete para a expressão “no pain, no gain!”, mas a dor real, o desconforto físico que aumenta com o esforço e que permanece durante um treino ou uma prova e que persiste mesmo após o final da mesma.
É muito importante saber respeitar a nossa integridade física e conhecer os nossos limites, o desporto deve ser sempre um foco positivo na nossa vida, permitindo-nos beneficiar da alegria de melhorar as nossas performances desportivas mas também com o grande objectivo de “viver” com qualidade… Boas corridas!